Rossini (1792-1862), o famoso compositor de ópera italiano, compôs também alguns pratos culinários. Aliás, parece que muitas das árias das suas obras foram escritas entre garfadas. A paixão de Rossini pela boa comida - nomeadamente pela carne de qualidade, pelas trufas, pelo foie gras e pelo bom vinho, incluindo o da Madeira - levava-o a afirmar que só tinha chorado três vezes na vida: de humilhação quando foi vaiado na estreia do seu “Barbeiro de Sevilha”, de emoção quando ouviu Paganini tocar violino, e de tristeza e desolação quando uma sandes de peru recheado com trufas lhe caiu à água durante um passeio de barco. Quanto ao Tornedó Rossini, diz-se que nasceu quando o compositor estava um certo dia no Café Anglais, em Paris -cidade onde viveu grande parte da sua vida - e pediu que lhe preparassem um bife com uma fatia de foie gras por cima e sobre esta uma camada de trufas laminadas. Na altura a combinação foi considerada tão descabida que, por vergonha, o empregado passou o prato pela sala “de costas voltadas” para os outros clientes (en tournant dos). Mas no Le Guide Culinaire, escrito por aquele que muitos consideram o maior chef de cozinha de todos os tempos, Escoffier (1846-1935), surgem referências a muitos outros pratos cuja paternidade é confiada a Rossini. O que é natural, sabendo-se que este abandonou praticamente a composição e a música aos 37 anos, dedicando-se a partir daqui a outros interesses, tais como receber amigos em casa e empanturrá-los com as iguarias que ele, e sobretudo a sua segunda mulher, Olympe Pélissier, preparavam.
Não é de admirar, por isso, que Rossini se tenha destacado mais pelas suas peças de ópera “buffa” (cómica), do que pelas suas composições mais sérias. Afinal, quem consegue pensar em dramas, tristezas e enredos infelizes em frente a um carpaccio de saumon à la truffe, a uma soupe au pistou provençale, a uns chaussons des montagnes au fromage de chèvre, ou mesmo a uma tarte soufflée aux marrons et à la poudre d’amand?
*Desabafo de Rossini a um amigo, quando já estava farto de responder a cartas e de assinar dedicatórias em fotografias. Frase que se pode explicar não só pela sua obsessão pelo prazer da carne (em todos os seus sentidos, pois ao que parece também foi um grande apreciador da beleza feminina), como pelo facto de, na sua infância, ter sido muitas vezes deixado ao cuidado de um talhante de Bolonha, enquanto os seus pais iam trabalhar, ele como músico, ela como cantora.
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